Camila Saccol Fros - Arquiteta e urbanista do Instituto de Planejamento (Iplan) de Santa Maria e pós-graduanda em Construções Sustentáveis e Edifícios Inteligentes

Toda cidade possui uma história em sua bagagem. Nesta, é possível conhecer quando ela surgiu, como e porque ela evoluiu até chegar na cidade que conhecemos hoje. Vê-se que o sentimento de pertencimento da população em relação à cidade é um aliado fundamental para o melhor aproveitamento do ambiente, assim como a preservação do mesmo. Na atualidade, percebe-se que o Centro Histórico necessita um estímulo para retomar seu uso pujante, que antigamente tornou Santa Maria o entroncamento ferroviário mais importante do Rio Grande do Sul. Para isto, Santa Maria buscou iniciativas criativas, com o objetivo de analisar estratégias para proporcionar um novo uso em ambientes e edificações que relatam e cultivam a memória cidadã. Assim, a população começou a ouvir e presenciar atividades relacionadas à criação do primeiro Distrito Criativo de Santa Maria.

Destaca-se o potencial que o centro da cidade possui, tanto arquitetônico quanto urbano. Resgatando a história da evolução e crescimento da cidade, vê-se que a chegada dos trilhos causou a vinda de pessoas com diversas nacionalidades, assim como uma urbanização em direção à Estação e seu entorno. Com isso, para unir a Estação Ferroviária com as ruas mais antigas de Santa Maria, foi surgindo, em diferentes etapas, a Avenida Rio Branco, via que, com o passar dos anos, recebeu construções que representam distintas épocas. Estilos arquitetônicos trazidos do exterior começaram a influenciar e ornamentar as edificações construídas ao longo do percurso Centro – Estação, proporcionando um skyline com um valioso acervo edificado. Com o passar dos anos e a desativação do trem de passageiros, o ambiente regrediu, e as edificações de um rico acervo Eclético e Art Déco foram gradativamente degradadas, criando um ambiente subutilizado.

É relevante salientar a busca incessante da cidade para desenvolver e valorizar o espaço. No ano de 2012, o então Escritório da Cidade, atual Instituto de Planejamento (Iplan), em conjunto com as secretarias de Turismo, Cultura e Mobilidade Urbana, desenvolveram um estudo denominado Reviva Centro. Com o objetivo de ter ações de preservação patrimonial, qualificação ambiental, mobilidade e infraestrutura, foram propostas estratégias para impulsionar o ambiente construído. Destacamos dois programas criados para desenvolver e valorizar o espaço: o Caminhe Legal e o Anuncie Legal, que se encontram vigentes no presente momento. Como continuidade, em 2018 o Iplan elaborou um Masterplan para qualificar o Centro Histórico. Por meio de propostas pontuais, buscou-se priorizar o pedestre, criando um fluxo contínuo entre importantes equipamentos urbanos do Centro. Esta iniciativa vai em conformidade com a proposta do Distrito Criativo, visto que estão inclusos no estudo a Praça Saldanha Marinho, o Calçadão Salvador Isaia, o Parque Itaimbé, entre outros.

Importante assessoria externa, com experiência no assunto, possibilitou a contribuição necessária para levar adiante o projeto do Distrito Criativo. Entende-se como positiva a proposta, vista como uma estratégia palpável, que será posta em prática, logo, moldada pelos usuários e empresas localizadas no ambiente.

Nesse viés, o município de Santa Maria, por meio da análise de stakeholders, buscou ouvir as “dores” e as propostas que pudessem incentivar o melhor uso do ambiente construído. Assim, a população começou a acompanhar encontros com o objetivo de criar o primeiro Distrito Criativo da cidade de Santa Maria. Com muito entusiasmo, a população abraçou a causa, por meio de críticas construtivas, com o viés de apoiar a novidade.

Para isso, é imprescindível lembrar que a arquitetura local é uma aliada fundamental para este fato, já que um patrimônio edificado comporta em si uma história, um estilo que mesmo que pertencente a outro século, mantém seu esplendor, refletindo diversos sentimentos, perceptíveis de maneiras distintas por cada pessoa. Destacamos assim, que o fato de ter ouvido a população nesses ambientes, gerou um aspecto positivo à proposta. O antigo colégio Santa Terezinha, hoje colégio Manoel Ribas, local icônico de Santa Maria, foi palco de reuniões sobre a criação do Distrito Criativo. Pode parecer um gesto simples, sendo apenas um ambiente físico para o encontro de pessoas, mas, desta forma, cria um maior pertencimento da população em relação a uma edificação histórica, local cujas portas em madeira haviam sido esculpidas na Escola de Artes e Ofícios, edificação que também contempla a área de estudo para o Distrito Criativo.

Ainda, a iniciativa de distribuir urnas físicas no centro da cidade proporcionou à população que diariamente ocupa o espaço o olhar ao seu redor, analisando e identificando o ambiente, contribuindo com opiniões pessoais, referentes ao local.

Sabe-se que é imprescindível conhecer a região em estudo, necessitando investigar e conhecer as legislações que regram a cidade. Destacamos a necessidade das intervenções estarem em conformidade com o Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial do Município, o qual encontra-se em contínua revisão, podendo assim ser o elo necessário para tirar do papel estratégias positivas para a cidade. O Plano Diretor de Santa Maria apresenta, como uma de suas diretrizes gerais, garantir a preservação, conservação e recuperação do ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico, entre outras.

Vê-se que edificações que por muitos anos estiveram fechadas voltam a serem habitadas, florescendo a vida nas mesmas. A Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea é um belo exemplo a se inspirar, visto que, através da iniciativa privada, está sendo projetado um novo uso para ela. Através de um uso divergente ao original, o prédio da Cooperativa manterá seu esplendor e a receptividade que antigamente proporcionava aos seus usuários. Também, logo à frente da “Coop”, encontramos o antigo Clube dos Ferroviários e sede da Associação dos Empregados da Viação Férrea, edificação Art Déco que foi palco de diversos eventos da cidade. Fechado por muitos anos, o prédio do Clube padeceu de deteriorações causadas pela ausência de manutenção sistêmica. Porém, com um futuro restauro, a mesma terá um novo capítulo em sua história. O Executivo Municipal, alinhado à iniciativa privada, busca mudanças positivas para o ambiente. Participando de um edital estadual denominado Iconicidades, a elaboração do Concurso de Projetos proporcionará consequências positivas para a Vila Belga, preservando sua história e incentivando o estímulo à prosperidade do Distrito Criativo de Santa Maria. Não podemos esquecer de mencionar os esforços que a Prefeitura vem realizando para proporcionar uma revitalização da Estação Ferroviária da cidade, destacando os estudos técnicos que estão sendo elaborados por profissional com especialização na área de Patrimônio. Esta informação valiosa será um subsidio para uma futura intervenção no espaço.

A população necessita utilizar e desfrutar do espaço para que o ambiente se desenvolva. Quando há iniciativas empreendedoras, há automaticamente um estímulo para o uso do espaço. Assim, um uso diversificado e criativo no centro histórico de Santa Maria gerará inovação e sustentabilidade para o ambiente construído. Necessitamos mudar o estigma de um espaço deteriorado para um local atrativo, proporcionando benefícios tanto à cidade como a seus cidadãos. Destaca-se o potencial que a Vila Belga e seu entorno dispõe, apresentando um uso diversificado em uma antiga Vila Operária, construída para ser residência dos empregados da Viação Férrea desde sua implantação. Será necessária uma articulação entre atividades culturais, sociais, privadas e governamentais, buscando reter talentos, aumentando a oferta de emprego e estimulando o forte potencial empreendedor que a região possui.

Vê-se que é necessária a intervenção criativa no ambiente consolidado. Por meio de estratégias inovadoras e sustentáveis, o centro da cidade estimulará o empreendedorismo, o turismo e a economia da região central do Estado. Consequentemente, haverá a geração de renda e um capital de giro positivo proporcionado pelos empreendimentos que ali se estabelecerem. 

Caberá aos cidadãos o apoio para incentivar e assim desfrutar dos benefícios que o primeiro Distrito Criativo proporcionará para a cidade de Santa Maria e região.